Durante o mês de abril, a Cia. Teatral Grupo de Apoio à Loucura – GAL – apresentou na Fábrica de Sonhos – Espaço de Arte o espetáculo “Condenada!”, baseado na obra de Tennessee Williams “Esta propriedade está condenada”.
O texto original fala sobre o encontro de suas crianças, Willie e Tom, nos trilhos do trem. A menina, Willie, tem treze anos. Durante a peça, Willie conta histórias de sua irmã Alva, relatando como herdou seus namorados e vestidos, depois de morrer com tuberculose. Amante de empregados da estação, Alva viu todos os namorados desaparecerem quando ficou doente. A garota projeta para si a vida de Alva, num desvio de personalidade que traz forçosamente a maturidade.
A montagem de Murilo Gussi e Suzan Del Rey propõe uma releitura da obra, baseada no registro psicológico de Willie. Com o início do espetáculo, vem à cena duas figuras espectrais, vestidas imundamente: roupas de festa já gastas, cabelos desgrenhados. A maquiagem deixa um quê de fantasmagórico. Os personagens, apresentados como duplo, possuem uma diferenciação mínima entre masculino e feminino: o garoto possui um bigode e fuma um cigarro. Até este ponto, o espetáculo ainda não mostra qualquer indicação da pouca idade dos personagens.
Em seguida, assistimos a um excerto de “A Dama das Camélias”, com Greta Garbo. Referência no texto original, a obra vem à cena nesta adaptação, mas pouco se relaciona com a dramaturgia e acaba por criar um aparte melodramático demasiado ilustrativo da encenação. A ausência de blecaute total mostra movimentações que não precisariam ficar às vistas do público, enquanto a lanterna de luz lead sugere uma atmosfera demasiada moderna para a estética do espetáculo.
Sobre as questões estéticas dessa montagem contemporânea, é possível notar o sentimento de apropriação dos intérpretes-criadores em relação ao texto e à cena. Mas, sem o olhar de um diretor que não participe da encenação, a obra acabou por deixar todo o texto em um único registro vocal e interpretativo, próximo ao doentio e psicologicamente perturbado. A falta de uma partitura cênica mais rígida também deixa em falta a sonoplastia, que ao invés de colaborar com a cena acaba por competir com a voz dos atores.
O espaço cênico foi criado em corredor, com arquibancadas em ambos os lados de um linóleo preto; nas extremidades, refletores ao chão. Uma das soluções cênicas pertinentes para as atuais necessidades de mobilidade foi a construção de diversos elementos da trama com base em desenhos feitos no linóleo com giz branco. Além de ser a única relação com o universo da criança, os desenhos de trilhos de trem, corações e caixas de bombom, bem como a referência à figura paterna, permitem a construção paulatina das imagens, de acordo com as necessidades de seu desenrolar.
O ritmo, tempo e duração do espetáculo são a tal ponto experimentais que os atores ainda não conseguiram definir a que vieram. Uma das soluções seria (re)pensar o tempo como construtor de uma poética, de maneira a servir à cena como forma e conteúdo que veicula sentido próprio, sensorial e intuitivo. Em virtude de todo o experimentalismo pretendido pelo GAL, vemos que o espetáculo ainda se encontra nos trilhos de uma busca por soluções cênicas e narrativas para desvendar Willie e seu autor.